Dia Internacional da Mulher Negra | Feminismo Negro

Faz três anos que eu fiz o primeiro post sobre o dia da consciência negra, (o segundo faz dois anos, do qual eu meio que me vi não sabendo da luta, não entendendo os motivos e ações do HOMEM negro, e de que talvez eu não devesse me ater a isso já que eu não saberia falar sobre eles no movimento negro, então passei a me focar no feminismo interseccional) e venho pensado e repensado o meu papel na sociedade racista em que vivemos já faz algum tempo. Desde o último ano porém, as coisas tomaram um nível mais alto na escala de indignação. As pautas do movimento negro começaram a chegar em mim, finalmente. O movimento negro, não só a ideia abstrata que tinha dele, começou a se materializar na minha frente.
Eu passei por diversas crises no ano passado. Crises que eu provoquei em mim depois de dois fatores muito importantes: eu larguei um emprego e fui largada por um affair.
Esses dois pontos me provocaram dor, mas também espaço para que eu questionasse a mim mesma e o ambiente ao meu redor. Coisa que eu já tinha feito repetidamente, mas nunca com os olhos abertos para quem eu era. E eu sou, antes de tudo o que eu poderia ser, uma mulher negra latino americana.
Foi difícil para eu me enxergar assim, por incrível que pareça. Isso veio até mim depois de eu precisar fazer uma lista e desconstruir, riscando uma por uma as coisas que eu sou.
Eu devo ter anotado em algum lugar, mas entre muitos rótulos escritos, eu escrevi por último, negra.
Depois de me questionar e chegar a conclusões sobre o que eu gostava, o que eu preferia, que tipo de pessoas me relacionava, que sexos eu me relaciono, eu escrevi algo que era realmente imutável. Algo que eu nunca poderia deixar de ser por capricho.
Eu sou negra.
Essa foi um momento muito específico da minha história, pois passei a procurar na minha mente em algum momento alguém dizendo isso pra mim. E eu percebi que eu nunca escutei.
Nem como reafirmação, nem como algum comentário agressivo.
Alguns comentários incômodos, no trabalho em que larguei, coisas que minaram minha sanidade, mas nada como o "racismo de fato". Ninguém nunca me chamou de macaca, nunca falaram que meu cabelo era ruim, ou que eu seria mais bonita com traços mais finos (essas coisas eu ouvi quando era criança, adolescente, até de familiares). Mas racismo não é só isso, se fosse, era mais fácil combater. Porque as pessoas podem ir pra cadeia por isso, e é bem sério. As pessoas se tornaram racistas mais tímidas, ou aprenderam os limites de preconceitos no trabalho, elas deixam pra ser racistas em casa, na internet, quando elas estão sem fazer nada e não tem nada a perder.

Embora eu tenha me afirmado negra em alguns momentos da minha vida, eu sempre senti que eu poderia ser confundida, e por isso me passar por outras etnias. Mas ao lado da minha família, miscigenada, mas com pessoas negras retintas, era algo que eu nunca senti que deveria trazer isso à tona. Era tão óbvio pra mim que eu nunca me senti apagada por esse aspecto.
Mas eu senti isso algumas vezes. Eu senti isso na minha própria família. E isso foi se tornando cada vez mais visível quando eu comecei a perceber os discursos repetidos e silenciadores.
Sim, falar de negritude é algo complicado na minha família. O tanto de tempo que eu demorei pra perceber isso não é normal. É impactante.
No meu círculo de amizades eu sempre fui mais incisiva, sempre passei muita confiança sobre quem eu era. Esse é o normal, eu sou confiante demais com meus amigos, pois eu exijo que eles me aceitem do jeito que eu sou, e insegura com diversos assuntos sobre a minha família, porque eu os amarei mesmo discordando e brigando muito, e eu não quero começar mais guerras desnecessárias.
Quando meu antigo namorado me falou que eu "não era tão preta", eu briguei, discuti e fui até chata do tanto que eu reafirmei que eu era sim, preta o suficiente. Ele era tão miscigenado quanto eu, e isso foi algo que me deixa com raiva, o fato dele estar com os olhos fechados sobre a gravidade do racismo. E fiquei bem puta quando ele trocou com uma menina um pouco menos negra, mas que ela aceitava e ele adora chamá-la de branquinha. Eu ainda não tinha chegado na parte do feminismo interseccional que falava sobre preterimento. Mas passou. E eu superei.
Quando o cara que me largou, um branco europeu, me disse "você não é negra", eu rebati na hora. E isso foi seguido de um: "você já sofreu racismo?", mas aí eu fiquei calada. Nunca me chamaram de nada ofensivo. Eu sou uma pessoa negra de pele clara, latina, não retinta. Meu pai poderia falar algo, meu avô talvez, a questão é que eles foram embranquecendo a família, sempre preferindo se casar com mulheres mais claras. O resultado disso, no caso eu, não sou menos negra por conta disso.
A angústia desse cara, e desse comentário foi curada só depois de terapia e de quase um ano de auto aprendizado.
Agora passou, e eu posso falar sobre sem entrar em depressão.

Coisa interessante para mencionar é que eu passei a acompanhar mais de perto as pessoas negras influentes e que falam sobre negritude. Elas me ajudaram a superar dificuldades como a ideia de reconhecer as problemáticas de não ser nem negra retinta nem branca. O meio termo do limbo, com suas próprias problemáticas únicas e dos quais eu me vejo e me vi toda a minha vida sem me dar conta que eram uma questão racial.
Por isso mesmo vibrei forte quando uma das mais controversas menina negra que já cheguei a acompanhar se "assumiu", ou no caso "assumiu seu papel" como mulher negra em um vídeo maravilhoso. Eu estou falando da Rayza Nicácio, que volta e meia me dava umas desanimadas, mas hoje eu vejo ela com esperança renovada. E ela falar que também se sente empoderada pela Nataly Neri me dá uma sensação gostosa de que estamos avançando, aprendendo com os erros e com pessoas inspiradoras. Tanto quanto Murilo Araújo, Stephanie Ribeiro, Pathy dos Reis. Pessoas comuns, como eu, como talvez, você. Que me fazem refletir sobre como a minha imagem é projetada para o mundo.
Ser preta de pele clara te dá privilégios, porém também dão uma série de dor de cabeças como a questão de como lutar efetivamente contra o racismo, como lidar com a pressão de ambos os lados quando todos te dizem que você não é tão escura para se considerar negra.
A internet também ajudou para que eu entrasse finalmente em contato com movimentos, coletivos, coisa que eu talvez tivesse a oportunidade na universidade, mas não deu tempo. E é provável que mesmo se tivesse continuado, não tivesse entrado de cabeça, como eu assimilei, depois de sentar e estudar sobre o que eu passo e como o estilo de racismo é exercido hoje. E eu aprendi isso no twitter. Eu consigo ver em comentários de internet, eu sinto, agora, nas conversas entre amigos.
E eu consigo sentir que ser negra no Brasil não é pra qualquer um. E não só sinto, hoje eu vejo, enxergo, reclamo. A gente tem que aprender a ser forte mesmo quando não somos. Ser uma negra de pele clara e brasileira é lidar com uma pressão para ser sexual que nos é fomentada desde crianças. O culto ao corpo aqui é um dos maiores no mundo, e é vendido. Não é algo para se orgulhar, eu sou vendida todos os dias. E não se engane, ser preta menos ou mais escura não faz diferença quando você será explorada, mesmo que de formas diferentes.
Eu sou defensora de relacionamentos sexuais livres e saudáveis, sempre fui, mas passei a ver isso como a construção social que me fizeram ver a minha cor como algo sensual, mas que no final isso não me ajuda em nada. Eu amo meu corpo e minha sexualidade, mas autoconfiança não é o eles querem. É que eu seja fácil.
E demorei muito tempo, me machuquei por muito pouco amor recíproco pra entender de vez que eu não preciso entrar no esteriótipo de mulher latina pra ser boa o suficiente.
Eu percebo hoje quando eu quero fazer algo e quando o faço pra tentar agradar, e tenho que dizer a mim mesma que não importa o que eu faça, algumas coisas nunca vão mudar.
Eu não vou mudar pra ninguém, porque eu não posso mudar.
Sou negra, nordestina.
Sou sangue quente, sou braba, peito, e isso também é só uma parte de quem eu sou, um estágio das minhas tantas mudanças, é só estado de espírito passageiro.
Ser eu é também ser sensual, é saber sambar, é gostar de dançar, mas eu não estou pra isso todo dia.
Nem na maioria deles, pra mandar a real.
Eu gosto também de ficar fazendo yoga, assistir séries e ler mangá. Eu sou muita coisa pra caber numa caixinha intitulada mulher brasileira.

Ser latino americana, ser negra, ser mulher, e ainda mais escritora (hoje também é dia dos escritores!) é um desafio que me fascina e me amedronta, mas eu quero continuar a viver essa batalha reafirmando quem eu sou.
Feliz dia da mulher negra latino americana e caribenha! (nome comprido, das próximas vezes vou chamar de DMNLAC ou Dia de Tereza de Benguela)


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